terça-feira, 7 de setembro de 2010

Candidato a Bastonário, Dr. Jaime Teixeira Mendes, escreve aos Jovens Médicos





































CARTA AOS JOVENS MÉDICOS

A Medicina está num momento de viragem. Por um lado a investigação de ponta traz-nos uma contribuição indiscutível, mas por outro os limites da prática clínica conduzem a numerosas transformações indispensáveis quer na medicina hospitalar quer no ambulatório.

Hoje a fragmentação dos conhecimentos médicos exige o funcionamento de equipas multidisciplinares e de transdisciplinaridade para diminuir os custos médicos e beneficiar o tratamento dos doentes. Os doentes estão actualmente sujeitos à repetição de exames, muitas vezes desnecessários, e à instituição de múltiplas terapêuticas prescritas por diferentes especialistas que, trabalhando isoladamente, muitas vezes são contraditórias.

Por isso a Candidatura do “ movimento alternativo à Ordem dos Médicos” defende a mudança de organização do trabalho médico, com hábitos de funcionamento de equipa centrada no doente e não na doença. O médico deve criar uma colaboração entre o hospital, o ambulatório e o domicílio do doente. Os circuitos de informação médica não devem ser bloqueados.

Estas e outras ideias foram já descritas na apresentação pública da minha candidatura (*).

A formação pós-graduada, e com maior enfoque a especialização, constitui um processo complexo na transmissão dos mais velhos para os mais novos do saber e do saber fazer, muitas vezes passado em torno das mesas operatórias ou durante as conversas nas ‘velas’ chegando quase a um ritualismo iniciático, lembrando as corporações medievais.

Os problemas que antigamente se resolviam à mesa do café entre o assistente e o interno não se compadecem hoje em dia na exigência e na mudança dos tempos.

A transformação de um licenciado em Medicina num especialista, numa área de medicina ou de cirurgia, reclama agora um programa de formação que irá certamente ser regulado em cada país da União Europeia de acordo com directrizes comunitárias.

Não me vou alongar na formação pré-graduada, não por que seja menos importante na formação do Médico, antes pelo contrário. A pedagogia constatou, com espanto, que os melhores alunos não vão ser obrigatoriamente os melhores profissionais.

Muitos pedagogos apontam para a introdução de novos temas durante a formação médica, como o saber ouvir e comunicar, fornecendo aos estudantes conhecimentos sobre dinâmicas de interacção social ou sobre aquisição de competência em matéria de gestão. Em suma, o ensino da medicina não pode restringir-se às ciências exactas, mas deve incluir outros conhecimentos da área das ciências humanas, como a sociologia, a economia ou o direito.

A minha experiência de vários anos na direcção do colégio da especialidade diz-me que os programas de formação devem ser suficientemente flexíveis para permitir ao jovem médico planear o seu futuro profissional de especialista. Isto é: pode haver preferências por certas áreas da prática clínica ou da investigação que um programa de formação rígido pode coarctar ou obrigar a prolongar os anos do internato.
Devemos também estimular a rotação externa por outros hospitais nacionais ou estrangeiros.
A formação como especialista deve ser programada com o tutor e o director do serviço, sempre com o acordo do interno.
As funções e a acreditação dos tutores, que constituem um dos pilares fundamentais do processo formativo, deviam ser objecto de regulamentação. Hoje, os tutores são escolhidos pelo director de serviço entre os assistentes graduados, muitos deles nunca frequentaram nenhum curso para formador - o que não só pugno de fundamental como defendo que a Ordem devia continuar a promover e a ministrar.
O perfil do tutor deve ser estatuído e uniforme a nível nacional. Deve, por exemplo, ter mais de sete anos de serviço, serem-lhe atribuídas horas semanais para o treino do interno, etc...

É desejável, como já acontece noutros países, a realização de encontros nacionais de tutores por áreas de formação (cirurgia, medicina, pediatria, etc.) promovidos pelos Colégios de Especialidade.

O nosso programa dá toda a autonomia e força às direcções eleitas dos Colégios da Especialidade para atribuírem anualmente a nível nacional, entre outras coisas, a idoneidade formativa dos serviços públicos e privados, vigiando a qualidade da medicina praticada.

A Ordem deve também participar activamente na abertura de novas vagas propostas pela tutela, como também a atribuição aos serviços com idoneidade formativa para os receber.

Assim evitaremos criar especialistas com possíveis deficits formativos e enviar outros para o sub-emprego ou mesmo o desemprego.

Por fim, as comissões de internos nos hospitais devem ser mais activas e vigilantes no seguimento do processo formativo dos seus membros. Devem exigir um limite para as horas de urgência (quatro a seis por mês), tempo para congressos, para formação e investigação. 

Na minha apresentação da candidatura assumi o compromisso de:
1.      Dar maior poder aos Colégios, de forma a garantirem a qualidade na formação dos internos e a procederem a uma avaliação justa;
2.      Defender o jovem em formação de toda a prepotência dos Directores de Serviço
3.      Pugnar por um mapa de vagas transparente, que não seja feito à pressa e apenas para tapar deficiências imediatas.


Comigo como bastonário os médicos mais jovens, pela primeira vez, não só terão uma voz activa como serão eles os verdadeiros protagonistas da viragem da medicina no século XXI, exigida pelas sucessivas modificações sociais, prestigiando de novo a nossa profissão.

Colegas, temos de afastar o espectro do que foi relatado há 50 anos pelos nossos antecessores no relatório das carreiras médicas:
1.       Insegurança profissional e económica proveniente dos sistemas de remuneração, recrutamento e condições de trabalho;
2.      Falta de incentivo, proveniente da ausência quase completa de graduação profissional, mantida por uma carreira continua;
3.      Grandes insuficiências no aperfeiçoamento científico e técnico, provenientes da escassa preparação pós-universitária;
4.      Imperfeita delimitação do campo da Clínica Geral com as especialidades e independência do sector da Saúde Pública.

Jaime Teixeira Mendes
Cirurgião Pediatra
Candidato a Bastonário da Ordem dos Médicos
_________________ 

(*) Razões de uma candidatura, http://movaltom.blogspot.com

2 comentários:

  1. Estou a sentir-me um tanto ou quanto estranha e intrusa nesta imensa quantidade de projectos e intenções, lançadas e divulgadas através deste blogue e, para os quais, ninguém devolve qualquer comentário.

    Vou atrever-me a comentar, ainda que, não tenha nada a ver com o assunto aqui tratado. Mas, saltou-me à vista o que o Dr Jaime T. Mendes escreve neste post e que faz todo o sentido nos dias de hoje. Acrescentaria mais; as ideias que se seguem mereciam divulgação, sobretudo a primeira frase:

    "A pedagogia constatou, com espanto, que os melhores alunos não vão ser obrigatoriamente os melhores profissionais. Muitos pedagogos apontam para a introdução de novos temas durante a formação médica, como o saber ouvir e comunicar, fornecendo aos estudantes conhecimentos sobre dinâmicas de interacção social ou sobre aquisição de competência em matéria de gestão. Em suma, o ensino da medicina não pode restringir-se às ciências exactas, mas deve incluir outros conhecimentos da área das ciências humanas, como a sociologia, a economia ou o direito".

    Talvez seja esta dimensão humana que falta em muitos profissionais e faz todo o sentido, a sociologia, o direito, e outras disciplinas dentro da área das humanidades, como parte integrante dessa formação académica.

    Ao candidato a medicina, já lhe é exigida a melhor média para a entrada na faculdade. Logo; parte-se do princípio que este, faz parte da fina nata dos alunos do ensino secundário e sem sombra de dúvida, serão os alunos mais inteligentes do sistema de ensino. Ser-se inteligente é óptimo! É meio caminho andado para se atingirem muitos objectivos. Mas ser-se inteligente,só, não chega.

    Existe uma componente humana (a formação humana) que nem sempre se consegue adquirir numa faculdade e que muitos candidatos a medicina, não conseguem cultivar por razões várias. Uma, poderá estar relacionada com a excelência da sua condição(melhores alunos, médias altas, etc)correndo-se o risco destes candidatos se tornarem pessoas "narcisistas" ou, profissionais vaidosos, arrogantes e insensíveis... Quando falo em componente humana, refiro a um espírito altruísta, à humildade,à vontade de "descer à superfície da terra" e compreender o ser humano que muitas vezes sofre no corpo e na alma, que tantas vezes precisa de ser tratado e não tem meios para o fazer. Resumindo, talvez possa "embrulhar" tudo isto numa única palavra: humanidade.

    Num mundo, socialmente cada vez mais problemático,onde a quantidade de pessoas pobres aumenta de dia para dia, precisamos de médicos competentes,sem dúvida, mas também queremos médicos mais humanos e atentos.

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  2. Obrigado pelo comentário tem toda a razão e a opinião de uma cidadã que frequenta o SNS é muito importante.
    Tem toda a razão em todos os seus comentários Vamos tentar " agilizar" mais este blogue
    Jaime

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